sexta-feira, 29 de abril de 2016

ENTREVISTA: "Pessoas precisam de arte, de formação de cidadania e observação crítica!", disse Vinicius Borba

"Pessoas precisam de arte, de formação de cidadania e observação crítica!", disse Vinicius Borba em entrevista exclusiva ao Portal do Iesb. Acompanhe o trabalho do poeta e ativista sobre sua poesia, trajetória e lutas má defesa dos direitos humanos, povo das quebradas e lutas no Distrito Federal. Leia aqui na íntegra.

"Pessoas precisam de arte, de formação de cidadania e observação crítica!" 
Por Renato Gomes

Quando chegou a Brasília, em julho de 2002, o poeta Vinicius Borba, de 30 anos, era apenas mais um adolescente que se arriscava longe de sua terra natal, o Rio Grande do Sul. Em busca do sonho de se tornar independente, encontrou na arte uma maneira de mudar a realidade, não somente de si, mas de todos que o cerca. Jornalista de formação, Vinicius viu na poesia uma forma de não calar a voz frente às injustiças que oprimem os menos favorecidos.

Por meio do coletivo Radicais Livres S/A, localizado em São Sebastião, ele visita todas as periferias do DF, organizando saraus, onde recita seus poemas, quase sempre de ordem crítica aos setores políticos da sociedade. Hoje, Vinicius comemora o fato de ter vencido as dificuldades aqui encontradas. Casado e pai de duas filhas, o gaúcho lançou recentemente seu primeiro livro de poesias, o “Fora da Ordem”. “O livro tem um objetivo bem específico, que é quebrar ainda mais os paradigmas dessa sociedade cada vez mais conservadora”, comenta Vinicius.

Em entrevista ao Portal de Jornalismo do IESB, o poeta conta algumas de suas experiências adquiridas nesses quase quinze anos a frente de movimentos culturais. Confiram:

- Portal de Jornalismo Iesb: Como que surgiu esse interesse pelo bem-estar dos menos favorecidos? - Vinicius Borba: É uma questão de consciência de classe. A minha trajetória começou como um dos menos favorecidos, minha família é de origem trabalhadora e que pelo estudo conseguiu se emancipar e sair da pobreza. Cheguei em Brasília meio que fugido da minha terra natal em busca de emprego e de alguma esperança, e a arte foi um meio de chegar mais longe, uma maneira de levar as minhas inquietações e provocar as inquietações das pessoas. As pessoas precisam da arte, porque ela tem um papel psicológico, de formação de cidadania e observação crítica do mundo.

- Como começaram as atividades culturais nas periferias do DF? 
- Essas atividades começaram com um ajuntamento de artistas de diferentes segmentos artísticos como poetas, cantores, atores, artistas plásticos e músicos, de gente que não tinha esse tipo de espaço e que começou a procurar esse destaque dentro da cultura da comunidade. Por meio do coletivo Radicais Livres, em 2004, começamos a realizar espetáculos de saraus que envolvem, musica, dança, poemas, teatro, vídeos e artes plásticas. Primeiro, para trazer para a população de São Sebastião a oportunidade de acesso à cultura, e mudar a cara da cidade. Antes a cidade tinha a fama de ser a cidade das gangues, da Papuda, da dengue. Hoje, isso mudou e a cidade já é vista de maneira diferente.

- Que resposta você tem absorvido das ruas por meio do seu trabalho? 
- Por meio do Radicais Livres tivemos uma construção bem legal, de uma participação intensa da população em todos os lugares que nos apresentamos em várias cidades do DF nos últimos 12 anos. A resposta é sempre muito positiva, uma vez que levamos a população dessas cidades a exercerem a capacidade de pensar. A nossa arte acaba despertando nas pessoas um censo crítico.

- Há 12 anos você faz parte do coletivo Radicais livres S/A, em São Sebastião. Em que consiste esse trabalho?
- O coletivo Radicais trabalha com espetáculos em todo DF, realizando saraus e abrindo espaço para artistas amadores e profissionais ao mesmo tempo no palco. E isso fortalece quem está começando no mundo da arte. Esse é o papel do coletivo formar artistas novos, que surgem das regiões periféricas em busca de espaço.

- Em 2015 você lançou o seu primeiro livro, o Fora da Ordem. O livro já foi lançado no DF, Rio Grande do Norte, Goiás, São Paulo e Rio Grande do sul. Como o público tem recebido esse trabalho?
 - O livro tem o objetivo muito específico de quebrar ainda mais esses paradigmas da nossa sociedade, que está a cada dia mais violenta e conservadora, estimulando o ódio e atentados contra os direitos humanos. O Fora da Ordem tem gerado uma resposta muito positiva da parte do público periférico. As pessoas se identificam com as poesias, que retratam a realidade delas. Por parte dos conservadores e dos coronéis que ainda tentam contra o Brasil, existe uma repulsa.

- Quanto tempo foi necessário para o livro ficar pronto?
- O livro levou um processo de gestação de 12 anos. São poemas de 2003 a 2015, na verdade são poucos poemas, porque eu fiz uma seleção dos mais significativos e mais atuais. Já o processo de diagramação durou cerca de três meses.

- O poema “Não me Representa” é o mais conhecido do livro. Qual o real significado dele?
- Pela minha experiência política, como cidadão periférico e também como jornalista, trabalhando no Congresso, eu pude observar o retrato dos coronéis que aqui ainda mandam pela força do dinheiro, das armas, da violência e da opressão. O poema ilustra a cara desses coronéis, a cara das oligarquias, que por dentro do Congresso Nacional, e depois nos próprios estados, colaboram para a construção de um país mais retrógrado, infelizmente. O “Não me Representa” mostra o quanto esses tipos de poderes econômicos não nos representam.

- Vir para Brasília despertou em você o interesse pelas questões políticas? 
- Não. Isso já estava enraizado dentro de mim. Já era militante político assíduo no Rio Grande do Sul, fui do movimento anarquista e participei do Fórum Social Mundial que é um evento muito importante. Aqui em Brasília, participei da fundação do movimento passe livre no DF, além de ser um militante pelas causas sociais em São Sebastião.

- Como você avalia a participação do jovem na política atual?
- Eu tenho visto com alguma cautela a participação da juventude na política na atualidade, ao mesmo tempo em que com alegria em parte, porque estão participando mais, diferentemente de alguns anos atrás. Existem três tipos de juventude política na minha opinião. Os jovens de esquerda, que atuam em movimentos estudantis, causas periféricas e lutas por direitos. Outra juventude mais de direita, mais conservadora e de falsos moralistas com uma linha mais neo-liberal, que defende um sistema capitalista que há séculos destrói o país. E por fim, uma galera que não se considera nem à direita nem à esquerda, mas que possuem convicções políticas próprias. 

Publicado originalmente em http://jornalismo.iesb.br/2016/04/26/pessoas-precisam-da-arte-de-formacao-de-cidadania-e-observacao-critica/